27.3.06

Multi, Poli, Pluri, Trans...

O multiversus como panorâma de intervenção social exige aos profissionais uma capacidade multifacetada de olhar e a admissão inequívoca da polivocalidade. Potenciar a capacidade de "ver" sob diferentes prismas, exige partilha e o pôr em comum do necessariamente diferente e distinto! Apontaremos para o mesmo alvo mas traçaremos caminhos diferentes, cujo trajecto se cruza, corre paralelo e se sobrepõe. No entanto, haverá necessidade de sermos "o mesmo" ou de aproveitar da melhor forma a amplificação da diferença? (A imagem é da BAUHAUS)

16 comentários:

Anónimo disse...

Olá. Cara s guadalupe, compreenderás que não domino com muita profundidade a linguagem-tipo de algumas corrente das ciências sociais. Fez-me um pouco de confusão, desde logo, o conceito de multiversus, que conhecia da teoria quântica. Nesse caso, falamos da existência de múltiplos universos em que se postula a possibilidade de leis e princípios - em termos físicos, por exemplo - serem significativamente diferentes dos que conhecemos. Ora, então, terás razão. As possibilidades, em termos de conhecimento, que surgem da pluralidade de perspectivas sobre uma determinada realidade é imensa. No entanto, se no multiverso se admitem leis diferentes para cada universo, então isso também implica a incapacidade dos dispositivos construidos num universo funcionarem em qualquer outro que não ele. Daí ser fundamental conhecer as leis desses universos entre si ligados. As potencialidades serão enormes. Mas os desafios também. E se calhar, em vez de justificar tanto o que existe, será boa ideia buscar as leis que regem aquilo que não sabemos sequer existir. No fim de contas, cara s guadalupe, "some men see things as they are, and ask why. some see things as they never were and ask, why not". De qualquer modo, se puder, cá andarei, sempre a fazer perguntas como as que as crianças fazem. Sempre senti um Cocas dentro de mim...

S Guadalupe disse...

Pois continua... já percebeste que tens apoio para tal! O conceito, tal como outros, É "importado" da quântica e inscrito numa outra lógica: a do construtivismo (numa vertente de compreensão dos "mecanismos" de interacção entre o homem plural e a realidade também plural, realidades - tantas quanto homens) e do construcionismo social(numa vertente interventiva). A tentativa de encontrar leis é relegada para outros planos (não entram nestas metateorias, nem como pontos de partida nem de chegada). É um mundo interessante. O Serviço Social não é a única disciplina que se "apropriou" desta conceptualização e epistemologia. Nesta perspectiva, há muitos Serviços Sociais, tantos quanto as correntes do pensamento moderno e contemporâneo. A minha questão ia mais de encontro à forma com as várias profissões podem coexistir sem atropelar-se nem ter que necessariamente desenhar espaços rígidos e construir paredes. Os seus caminhos não têm que ser laribirinticos mas com inúmeras saídas e entradas, comunicando e metacomunicando. Só assim se constrói. Já percebeste que me dá gozo discutir... That´s what I do for living! Os meus alunos têm mesmo de aturar-me! Tenho gosto particularmente nos que desafiam e gostam de ser desafiados.

Anónimo disse...

Não concordo muito na multimensionalidade aplicada às profissões que se entrecruzam. Acho que necessariamente nos vamos atropelar. Concordo sim, com a capacidade de ouvir muitas vezes para um mesmo objecto e que para cada voz esse objecto tem um sentido que pode ser compreendido se atendermos às diversas vozes.
Ás vezes penso no conjunto de acções parceiras como a CPCJ, CLAS, Núleos restritos, núcleos alargados, Rede Social, PDIAS e começo a pensar que estamos a chegar a um ponto em que estão sempre as mesmas pessoas a discutir os mesmos processos e a chegar às mesmas conclusões. Enfadonho? Ineficiente? Não pode haver outra forma?

Anónimo disse...

Olá. Encontramo-nos num ponto interessante deste diálogo. No último comentário a s guadalupe deixou cair os seus véus e referiu as correntes constructivistas e sócio-construccionistas, deixando então, mais claro, quais as lentes que utiliza para analisar o tema. Salienta que o SS não foi a única disciplina a apropriar-se destas “conceptualizações e epistemologias”. Eu sei, neste momento há metástases em várias áreas…
Ainda ninguém falou das imagens da s guadalupe. Nesta postagem, por exemplo, ela coloca uma imagem da Bauhaus. Não vou analisar os aspectos estéticos – não é para isso que me pagam. Vou sublinhar o facto de ser Bauhaus – uma escola que estimulava a criação como modo de expressão da identidade pessoal. Havia portanto, liberdade de criação. No entanto, pelo que sei, ou essa criação se enquadrava nas convicções comuns sobre o que era arte e arquitectura, ou o Sr. Gropius rapidamente assinava a respectiva guia de marcha. A Bauhaus, portanto, de escola promotora da liberdade criativa, passou a ser a escola de Gropius, Van der Rohe, e alguns outros, com uma imagem específica em todos os seus produtos, que nos permite, hoje em dia, olhar para uma casa, um móvel, um quadro, ou uma fotografia e dizer: “Bauhaus”.
Diz a s guadalupe que, sob estas lentes, haverá tantos “Serviços Sociais” como as correntes do pensamento moderno ou contemporâneo. Eu acho que ela está a ser modesta. Haverá muitos mais. Tantos quantos as pessoas que resolverem dedicar um pouco do seu tempo a pensar sobre isto, e todos resultantes das construções pessoais que cada um faz das suas vivências, das teorias com que contacta, e de milhões de outras influências.
No entanto, se as nossas construções são o resultado de um conjunto alargado de influências sociais, como se de um jogo se tratasse, então, como diz Gergen, devemos jogar seriamente. Jogar seriamente implica aceitar um conjunto de regras. Implica, por exemplo, perceber que as nossas construções pessoais são validadas junto dos outros significativos, e que apenas com essa validação nos podemos mover na sociedade. Botella afirma a propósito das identidades, que não interessa se estamos a falar de uma identidade pessoal ou colectiva, uma vez que o que interessa é a sua validação em termos sociais. Temos várias consequências deste pensamento, como a noção de multifrenia, pois as diferentes validações que vão sendo feitas das nossas identidades sublinharão, certamente, aspectos diferentes entre si.
Queria então sublinhar três propostas de Gergen, relativamente à questão das identidades: em primeiro lugar, a identidade é uma conquista relacional, pois não há distinções naturais entre pessoas ou grupos. Por outro lado, não há forma de vencer, na dicotomia, porque, “To condemn, excoriate, or wage war against a constructed other in our society is inherently self-destructive; for we are the other” (Gergen) e, finalmente, ainda nas próprias palavras do autor “Societal transformation is not a matter of changing minds and hearts, political values or the sense of the good. Rather, transformation will require unleashing the positive potential inherent in relational processes. In effect, we must locate a range of relational forms that enable collective transformation as opposed to alienated dissociation”.
Ora, o comentário da s guadalupe, parecendo ir de encontro a uma tentativa de construção identitária, baseada em alguns princípios da pós-modernidade, leva-me a ter que afirmar que não estás a jogar seriamente. Noções como profissão separam, mais do que juntam. Coexistência implica existências paralelas, e os espaços rígidos e as paredes construídas, de facto não existem na natureza, são as pessoas que as constroem.
Neste ponto, volto a esclarecer: não sou contra o Serviço Social. Acho que o Serviço Social cumpre um conjunto de funções fundamentais na nossa sociedade. Por outro lado, as tentativas de construção de uma identidade do técnico de serviço social, entre pessoas com visões tão díspares das suas funções – obrigado Clara, pela informação – apenas podem ter duas vias: ou o insucesso, ou obtenção de um mínimo denominador comum. Por isso, acho que para esse processo não devem ser chamadas as profissões adjacentes. Por isso, acho que não há profissões adjacentes. Tudo o resto é buscar diferenças, construir paredes, delimitar territórios.
Para finalizar: os lobbies. Se não têm um lobby, deveriam ter, pois já são suficientemente grandinhas para isso. Um lobby não é, em si, uma coisa má – o que seria de nós sem o lobby ecologista, por exemplo. Se vocês não conseguem falar a uma só voz, então o problema é outro. Mas que têm peso para o fazer, isso têm. Mas vocês sobreviverão.
Um pedido final: será que alguém poderia relatar, em concreto, um exemplo de boas práticas em termos de trabalho em equipa multidisciplinar de técnicos de serviço social.

Anónimo disse...

Obrigado PEDRO. Brilhante. Ainda ando a conhecer o Gergen, e o que escreves faz-me todo o sentido. Será então que não se pode falar em diferentes profissões, mas sim, em diferentes visões? Não será então a polivocalidade de que a guadalupe falava?
P.S. Gostaria de lançar um desafio às/aos assistentes sociais que convidei a virem a este espaço: Porque não participam? O silêncio pode ser interpretado de várias maneiras; o desinteresse, a insegurança, a arrogância, o medo????? Fica a dúvida.
Marta

Anónimo disse...

Pedro gostas mesmo de citações em Inglês. Gergen não foi um contrutivista mas sim um construccionista que são coisas muito diferentes...
O construtivismo defende que a identidade só pode ser concebida socialmente (semelhante a Mead) e num espaço sócio-cultural bem definido. Gergen opõe-se a esta visão que define como "moderna" e não nos conceitos pós-modernistas em que o construccionismo assenta. Para Gergen a identidade reflecte-se na comunicação, na linguagem e está simbolicamente definida nos valores pessoais. Para construtivistas como Luckmann ou Berger a Identidade assenta em valores de responsabiliadade e dividem aquilo que será as identidades herdadas (Claude Dubar) das identidades atribuídas donde a identidade pessoal se constrói neste jogo. Não acredito nada em lobbies e já sou grandinha. Trinta aninhos já é alguma coisa.... São sempre coisas más porque implicam territórios demarcados onde reina a ditadura simbólica. Boas experiências há muitas apesar da minha critica aos projectos de parcerias. A primeira começou nos anos 50 com uma coisa que se chamava SAAL e foi um trabalho brilhante de AS e outros técnicos ao nível do desenvolvimento comunitário. A partir daí posso contar mais histórias mas sempre em Português..

S Guadalupe disse...

Estou a ver que resulta... as discussões não precisam do lume que tento atiçar para que aconteçam... Pelos vistos não era apenas eu que sentia falta de um espaço destes... Bem, eu cá continuo convicta do que defendo, uma vezs com e outras sem véu. O olhar diferente e o cruzamento de caminhos não implica necessariamente atropelamentos nem, por outro lado, a protecção de muros. A complexidade assim o exige. Concordo que os lobbys quando têm bons propósitos só podem ser positivos, mas não podem existir apenas para justificar a sua existência. O problema não é tanto o da falta de "falar a uma só voz" como diria o Pedro, mas antes a falta de participação. Por muito que isto custe... de cidadania participativa! Há muito conforto e gente muito confortável (nisso o Pedro tem uma certa razão: a carreira é consolidada, oferece conforto, pelo menos na administração pública)...

Anónimo disse...

SOCORRO- agora fiquei baralhada e espero que alguém me livre disto, com alguns esclarecimentos. Como disse, ainda é recente a minha "relação" com K. Gergen e daí o pedido de ajuda. Ora aqui vai: então, se para" Gergen a identidade reflecte-se na comunicação", então e comunicar vem de comunicare, que significa pôr em comum, ou ainda no espaço da relação, isto não é então como diz o Pedro,?"em primeiro lugar, a identidade é uma conquista relacional"- expliquem-me pf
obrigado
marta

Anónimo disse...

Penso que a vossa reflexão é interessante, mas há dois aspectos a considerar, difenrciais;

1º A evolução do conhecimento e da sociedade, em direcção ao que Morin define como Pensamento Complexo e Touraine desmodernização, ou seja complexificação das relações pela imanência de um pensamento não determinista e dessocialização pela queda dos avatares da modernidade (família, escola, trabalho, sindicatos, estado, etc), abriu o buraco negro das identidades e aqui incluem-se as profissionais, num tempo transdisciplinar como resposta ao complexo.

2º O problema para o Serviço Social, é que este ainda não tinha encontrado um minimo denominador comum identitário quando é apanhado na roda do caminho por esta profunda mutação.

É claro, agora, todos os caminhos devem ser repensados: à luz da necessária afirmação histórica, mas também á luz da necessária partilha de campos, imbricamento até.

Anónimo disse...

Marta eu e o Pedro falávamos de paradigmas diferentes (embora muito semelhantes na visão de múltiplos universos). O que eu quis dizer ainda que de forma pouco clara é que a identidade profissional do SS à luz da cientificidade do seu saber (polivalente) tem um eco profundo nas teorias construtivistas, ao contrário das teorias de cariz mais positivista. Isto porque se entende que os objectos e as suas práticas precisam de estar contextualizados, assim como é necessário e fundamental o envolvimento do observador, também ele com as suas vivências e construindo uma realidade e um significado especifico.Concordo muito com jpsilva sobre a partilha de campos.
No que se refere aos lobbies mantenho a minha opinião e os maus exemplos não são exemplo para ninguém. Pelo contrário devem ser a excepção e não a norma. O que mais me aflige nestas conversas da modernidade e pós modernidade é que podemos caír no discurso balofo em que se fala de tudo e não se fala de nada em concreto, como por exemplo das práticas profissionais. Aconselho a leitura do livro Eduquês do autor Nuno Crato.

Anónimo disse...

Obrigado

marta
P.S Concordo, também acho que se devia falar das práticas... e outros aspectos.

Anónimo disse...

Olá. Algumas clarificações/justificações. Cara clara, peço desculpa pelo inglês, mas como tão bem sabes, as línguas diferem entre si. As palavras resultam da necessidade que as sociedades sentem de nomear realidades. Como nem todas as sociedades sentem as mesmas necessidades, não se encontram traduções para todas as palavras, em todas as línguas. O que está bem escrito, está bem escrito – não vale a pena estragar com uma tradução imperfeita. Se é para confundir, mais vale não ler.
Em segundo lugar, é preciso ter em conta que a comunicação entre as pessoas é possível, os acordos existem, e as negociações, na maior parte das situações, chegam a bom porto. Desde pequenos, todos nós aprendemos a partilhar significados. Por isso conseguimos funcionar em sociedade. Com as identidades passar-se-á o mesmo. Os autores referidos têm produzido modelos que nos ajudam a ler as nossas vivências. Fazem-no de acordo com um conjunto de regras implícitas ou explícitas. Esses modelos têm sido utilizados por outros teóricos para construir refinamentos adicionais, ou, em alguns casos, contrastantes. Todos eles são importantes, pois como a apreensão de toda a realidade é impossível, impõe-se a utilização de modelos explicativos, mas o rigor e a seriedade do jogo implica que esteja sempre na nossa mente que eles são apenas isso – modelos explicativos. Os melhores que cada um de nós possui, certamente, mas manifestamente imperfeitos.
É necessário então algum cuidado quando se discutem modelos. No caso destes modelos, pode resultar mesmo o tal discurso balofo, de que fala a clara. Daí a minha sugestão de discussão de práticas concretas. Ora, quando falo de práticas concretas, falo de episódios, vinhetas, curtas narrativas (ou não tão curtas). Aí sim, na discussão, é possível perceber, não os quadros teóricos, mas de que forma cada um de nós se apropriou deles. O exemplo da clara poderá ser muito bom, mas não me serve, a mim, para a discussão. Nem sei, tão pouco, se será assim tão útil como isso discutir algo que se passou há já 50 anos, quando a sociedade tinha algumas diferençazitas… Uma reunião que tenha acontecido esta semana, entre técnicos de diferentes formações, parece-me infinitamente mais próxima da realidade que nos deve interessar discutir.
Peço desculpa pela maçada, e até breve.

Anónimo disse...

Olá. Alguém quererá comentar o seguinte excerto (desta vez, em bom Português): "Temos de amar e servir como cristãos! afirmou o prelado da diocese no auditório da Faculdade de Psicologia perante uma centena de participantes. D. Albino Cleto explicou que é necessário 'ter os olhos de Cristo para acudir a determinadas situações'. 'È um dever dos católicos, ajudar-nos uns aos outros a resolver os problemas da solidão, do desemprego, da toxicodependência, do alcoolismo, da sida, etc...' rematou." In Correio de Coimbra, 23 de Março, Bispo de Coimbra em diálogo com as Misericórdias

Anónimo disse...

Não Pedro não é maçada nenhuma e até acho que tem toda a razão. Realmente falar sempre do passado também não se constrói o presente. Uma experiência que penso que pode ser importante discutir é o papel dos assistentes sociais na rede social onde lhe é exigido uma congregação de esforços e de recursos muito próximo do dicurso político do Estado apesar de aos assistentes sociais lhes ser exigido uma actuação isenta. Algumas redes têm funcionado muito bem e o assistente social funciona de forma muito adequada como principal intelocutor entre sociedade civil organizada e Estado. Para mim falo da rede social de Cantanhede, rede social de Coimbra, rede social de Aveiro. Outras não funcionam assim tão bem porque o assistente social se perde e tropeça nos meandros formais e informais dos parceiros sem saber qual a posição que deve actuar. Destas não vou dar exemplos por uma questão de consciência. Penso que os principais interlocutores podiam falar por si. Até breve.

S Guadalupe disse...

Muito Bem, vamos às práticas... Vou tentar novo post para tal!

S Guadalupe disse...

Alfredo: não me esqueci das diversas provocações e propostas de reflexão que fez... Pedro: não me esqueci do comentário sugerido às declarações d Bispo de Coimbra e de outras que tais... Serão retomados aos poucos os temas e de forma repatida. Recapturas Futuras Prometidas...