12.4.06

Supremas decisões

Logo pela manhã, somos prendados com a notícia de que um acórdão produzido pelo Supremo Tribunal de Justiça considera «lícitas» e «aceitáveis» as palmadas e estaladas dadas por uma responsável de um lar a crianças com deficiências mentais que havia sido indiciada por maus tratos a vários menores, e tinha sido já acusada e condenada por ter amarrado um rapaz de 7 anos à cama, evitando assim que este a acordasse.
Sabe, quem trabalha nestes contextos, que quando há práticas que configuram uma acusação deste tipo, é porque apenas conhecemos uma pontinha do iceberg. E, obviamente, não se fala de palmadas episodicas, mas sim de práticas continuadas e utilização continada de tais métodos "educacionais", como lhe chamou o STJ.
Sei bem que não é fácil lidar com tais situações quotidiamente, mas que espécie de "responsável" é capaz de fechar frequentemente uma criança que sofre de psicose infantil na dispensa, com a luz apagada, para que fique menos activo??!! E o acordão considerar que fechar crianças em quartos é um castigo normal de um "bom pai de família"??!! A quem está entregue a justiça (juízes, ministério público que produz prova...) ??!! Estaremos a falar com base em quê?
Afinal os técnicos das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo andam tão preocupados e tão pressionados porquê?? É tudo normal e desejável... e o "bom senso" do mau senso comum é que é legítimo...
(Pintura de Francis Bacon)

8 comentários:

Sofia Melo disse...

Vi a notícia há bocado. Fiquei chocada com as expressões do acórdão. Bem, o ministério público produziu prova, ficou plenamente provado que a funcionária fez aquilo. os juízes (nem os de 1ª instancia, nem os do STJ)é que não entenderam esses factos capazes de merecer a tutela penal. BAH!!Um bonus pater familias tb dá umas chapadas na criançada de vez em quando??? tou a ver que tipo de pais devem ter sido esses juizes. A senhora é ignorante, ok, também deve ter levado umas lambadas em miúda, e trabalha 16horas por dia. E isso justifica que trate crianças, especialmente estas, desta maneira? um gajo qualquer é apanhado com alcool a sair de uma discoteca, mesmo não causando acidente, pode levar com uma suspensão de 2 ou 3 anos. Esta tipa, faz isto, e fica com uma suspensão de pena só por um ano. Vergonhoso. è como diz a MJ Morgado: magistratura da idade média.

S Guadalupe disse...

E estás tu por dentro destas patranas, imagina o pessoal que está por fora... Andas a desperdiçar fins-de-semana nos exames do CEJ ou deverias investir mais nos exames para começar a dar a volta a isto?

Sofia Melo disse...

pá, houve uma altura em que acreditei que entrar no CEJ era uma forma de começar a lutar por alguma coisa - mas de dentro. neste momento já não sei. O corporativismo é pesadíssimo, e a malta nova que entra fica igual aos que lá estão, infelizmente. No entretanto, vou tentando fazer a minha pequena luta do lado de fora, ainda que numa classe que é tudo menos unida... Pode ser que um dia... ;)

Anónimo disse...

Por acaso falei com alguém que leu o acordão e o que o juiz disse é que as palmadas dadas de vez em quando e com sentido podiam ter um efeito pedagógico. Ao contrário do que os media veiculam e tiram partido do sensacionalismo a referida senhora foi considerada culpada e este era o seu último apelo ao supremo que foi recusado. Não concordo com os castigos terriveis que a malfadada senhora provocou e para o qual foi condenada, mas cuidado com a "caça às bruxas". Nem tudo o que se diz é verdade, nem o juiz disse que fechar uma criança numa dispensa era castigo pedagógico. O que ele referiu é que por vezes e em situações controladas uma palmada não é sinal de maus tratos, por vezes a ausência da "tal palmada" é sim sinal de negligência. Isto leva à qualidade das instituições que temos e à qualificação do pessoal responsável. Quem o faz? Direcções que não percebem patavina e só aparecem em reuniões semanais para dizer meia dúzia de disparates. E se as nossas IPSS'S começassem por aí? Em vez de um conjunto de senhores bons que apesar da sua boa vontade, não sabem muitas vezes o que é a acção social e quais as necessidades da população com quem supostamente trabalham?
PS De vez em quando dou umas palmadas aos meus filhos... E agora? Qualquer dia tenho alguém à porta a dizer que sou mãe maltratante? Porque não começarmos a acender fogueiras em praça pública para queimarmos as bruxas, os luvros ou todos que ainda não estão formatados nos ideiais da nova sociedade...

S Guadalupe disse...

Ninguém aqui pretende julgar os comportamentos parentais de ninguém, mas legitimar comportamentos graves e repetidos de uma responsável institucional por um chorrilho de lugares comuns nada comparáveis aos actos praticados, é promover a ignorância e branquear as situações. A senhora só fui considerada culpada por ter amarrado a criança à cama, e com pena suspensa, de resto foi ilibada pelos argumentos distorcidos do juíz. Os queres também comparar o facto de dar uma palmada ou dizer "vai para o quarto, pois estás de castigo" com o que a senhora fazia. Esta comparação foi feita pelo juíz, e isso é que é grave! E já agora, o que é "um bom pai de família"?

Anónimo disse...

Mas tem que haver diferenças. Já leste o acordão? A questão do pai de família foi levantada pelo advogado de defesa da senhora. Ninguém está a querer decidir o que é um bom pai de família. Mas é preciso separar águas. Penso que a tua questão é o limite entre uma palmada e maus tratos continuados. Onde està a diferença? Nós sabemos em situaçõe claras e fortes como o de amarrar uma criança a uma cama? E os outros actos? Qual o peso da balança?

S Guadalupe disse...

Nunca acreditarie que uma senhora é acusada, provavelmente por uma colega (não sei!), e alguém se dá ao trabalho de levá-la a julgamento porque simplesmente punha as crianças de castigo (com práticas "aceitáveis") o lhes dava umas palmaditas de vez em quando. E o que conseguiram provar foi, certamente, apenas uma pequena parte do que ela faria. O bom sendo, só por si, não faz sentido numa sociedade que deve punir exemplarmente estas situações. Na esfera privada de cada um há limites à intervenção estatal que só em situações, muito espacíficas, passam à "esfera pública", como sabes... e são quase sempre os mesmo os mais expostos (os nossos utentes "clássicos"). Os limites não são fáceis de traçar, mas cada um sabe qual o limite que ultrapassou se for capaz desse julgamento e tudo tem a ver com o que experimentou ao longo da sua vida. Por isso defendo que devemos capacitar e agir de forma muito pedagógica sem nunca proteger práticas abusivas.

S Guadalupe disse...

para ler o acórdão vai a http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/7b3cde591793c8b18025714d002b118c?OpenDocument