7.1.07

a metáfora da "banalidade do mal"

Assisti (e participei, porque não consigo estar caladinha) à aula aberta proferida pelo Prof. Doutor Tomaz Carlos Flores Jacques "Pensar em Tempos Sombrios: Hannah Arendt e o Serviço Social".

Revisitou 3 textos de Hannah Arendt: "Eichmann em Jerusalém"; "As Origens do Totalitarismo" e "A Condição Humana". A partir do que deles sublinhou, Carlos Jacques teceu considerações e apelou à transposição metafórica para o Serviço Social na contemporaneidade, tanto na sua conceptualização como na sua concepção.

Fico-me pelas inquietações e provocações a partir do primeiro texto.

Hannah Arendt escreve "Eichmann em Jerusalém" a partir da cobertura jornalística, para o "The New Yorker", que fez do julgamento de Eichmann (apelidado de exterminador dos judeus e arquitecto da "Solução Final", conhecido igualmente como "Executor Chefe" do Terceiro Reich da Alemanha Nazi). Neste livro sobressai o facto deste homem ter aparecido a julgamento não como "um poço de maldade", mas antes como alguém terrivelmente normal. Um funcionário público zeloso das suas funções, que se limitara a cumprir ordens e que proferiu ter guiado a sua vida baseado no imperativo categórico kantiano "aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal".

O conflito dos actos com as concepções morais reveleram o que nos pode tocar e assustar: o homem (a sua natureza humana complexa) pode levar à "banalidade do mal".

A metáfora personificada por Eichmann do burocrata que não pensa, não questiona, acrítico, que executa ordens emanadas de uma entidade a que deve respeito pela sua posição profissional (e a qual não desafiaria na defesa do seu lugar)... faz pensar.

E o Serviço Social? Assim como outras profissões que têm a responsabilidade de trabalhar directamente com populações (nomeadamente aquelas desprovidas de poder)...?
Transpondo esta metáfora para a realidade política actual, para o contexto da execução cega das políticas sociais solicitada e levada a cabo pelos "técnicos", para os constrangimentos associados à precaridade laboral, para o amorfismo a que assistimos nas pessoas, etc., temos uma excelente conjugação para que proliferem "eichmann's" por aí.

É uma das principais insistências dos que formam os que agem: o estímulo à reflexão, à crítica, à atenção ao que de novo se produz, à iniciativa, à inovação, ao exercício responsável do poder enquanto assistente social e cidadão. (Re)Leiam e experimentem rever-se nas palavras de Myrian Veras Baptista (2001: 11-23) sobre a prática profissional... que vê no assistente social um agente político por excelência... e não apenas um mero executor de políticas sociais.

Usem o poder (que têm... e do qual devem ter consciência crítica), o espaço de liberdade criadora (que há sempre, mesmo nas situações mais desconfortáveis), recusem ser agentes de reprodução social, e experimentem escapar à banalidade do exercício profissional!

5 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom texto. Dá que pensar...
obrigado
marta

S Guadalupe disse...

Ainda bem! Era essa a intenção.
Foi um esforço de síntese enorme (para a desbocada que sou...).

Anónimo disse...

Gostaria de acrescentar que o texto «Eichmann em Jerusalém», não é um documento pacífico. Pelo contrário, na sequência da sua aparência na esfera pública, Hannah Arendt viria a ser alvo de duras críticas de vários quadrantes, devido ao modo como descreveu a personalidade Eichmann. A própria autora, sentiu necessidade de se explicar, escrevendo alguns ensaios onde procura responder ás críticas que lhe foram endereçadas.
Quanto às possíveis influências da maior filosofa do século XX sobre o serviço social, pessoalmente considero que o seu maior legado é a sua noção de política, a partir da qual poderemos reflectir sobres as possibilidades dos assistentes sociais promoverem a cidadania activa dos contextos em que se inserem.

S Guadalupe disse...

Sê bem-vindo para comentar e acrescentar o que te apetecer.

Bem sei, apesar de apenas conhecer superficialmente a sua obra.
Aliás, isso é referido num dos links que coloquei no texto.
Aliás, nenhuma visão sobre o que quer que seja é pacífica, e ainda bem!

Considerei sublinhar este texto por conter uma noção altamente provocatória se a consideramos no plano da contemporaneidade.

O estilo do "abanão" é o que pretendo cultivar por aqui.

S Guadalupe disse...

É sempre um excelente sinal o debate ser trazido para fora das salas de aula. Pena é que sejamos sempre os mesmos a fazê-lo. Alargar o debate é outro dos meus objectivos com esta tarefa que empreendi.