intervenções atabalhoadas
Soube hoje que uma pessoa que conheço tentou, num hospital deste país, falar com um assistente social por 2 vezes e que lhe foi dito que não poderia ser atendida. Foi à terceira, após um sobrinho ter intercedido. Atendeu e encaminhou para o centro de saúde, sem antes ter feito qualquer tipo de articulação com tal serviço.
A pessoa em causa é idosa, cuidadora de um doente dependente com polipatologias, entre as quais demência. O doente esteve internado neste hospital. A sua situação agravou-se e coloca novas exigências no cuidado, o que traz outro tipo de necessidades ao próprio cuidador.
Não estou a considerar o ideal, mas o básico. Os assistentes sociais que trabalham em hospitais que conheço fazem geralmente um acolhimento aos novos doentes, fazendo uma "triagem social" com vista à preparação da alta. Quando não o fazem mas, no entanto, são solicitados, atendem as pessoas em tempo útil... Neste caso... nada disso aconteceu. O assistente social acabou por atendê-la no dia da alta. O doente precisa de uma cama articulada e de continuidade de cuidados no domicílio. A senhora não consegue conciliar os cuidados, as idas ao centro de saúde e as burocracias na segurança social. Neste momento não consegue levantar a reforma porque o marido se tornou incapaz de assinar. Está numa situação muito precária e desapoiada e ainda tem de "gramar" com este tipo de atitudes do "passa ao balcão do lado". Será possível?
Eu ainda pensei em telefonar directamente aos colegas, mas atendendo à distância geográfica e numa atitude emancipatória, preferi que fosse a própria a expôr a situação e a solicitar apoio. E deu nisto... Espero que nos restantes e múltiplos serviços a que a senhora terá de dirigir-se, encontre outro nível de suporte e intervenção.
11 comentários:
Cara Guadalupe,
como deverás saber, o rácio ideal de assistente social por cama de hospital, definido pela OMS é de 1 para 22. Naturalmente, os nossos hospitais andarão a milhas dessa proporção.
Por outro lado, os Assistentes Sociais de hospital têm que dar resposta aos seus pedidos internos de colaboração rapidamente, muitas vezes em 24 horas. E os pedidos internos, como imaginarás, chovem. Muitos desses pedidos são precisamente para preparação da alta e do retorno da pessoa hospitalizada ao seu meio com o enquadramento e suporte possíveis.
Haverá sempre situações que terão que ficar em espera, na medida em que a pressão de resposta aos pedidos dos vários serviços é muito grande.
Tenho a certeza que nenhum colega gosta de situações análogas à que relataste, mas de facto o ritmo hospitalar não se compadece destas situações que por vezes nos caem inesperadamente no balcão de atendimento.
Já quanto à falta de articulação, fica sempre bem um telefonemazinho e não custa nada :)
Boas insistências!
Cara Sónia, não é trazendo exemplos casuísticos, como já fez em ocasiões anteriores e até a partir de notícias de jornal (e curiosamente sobre a realidade hospitalar), que assume uma posição construtiva. Sinceramente, fiquei muito desiludido consigo. Se cada um de nós se lembrar de trazer "casozinhos", tomando as partes pelo todo, sem alicerces científicos, então não fazemos mais nada, não lhe parece? Até porque devemos ser os primeiros a perceber os constrangimentos político-institucionais que a nossa classe em particular sofre. De si espero mais, muito mais. Ou então, estou enganado. Lamento. E quanto ao caso, é claro que não me vou pôr a comentar casos que não conheço. Prefiro comentar estudos que demonstrem com dados concretos a realidade (ou realidades). De resto, subscrevo o comentário do colega anterior, o qual foi mais construtivo. Espero que mais ninguém tenha esta infeliz ideia. E também é preciso ir além das críticas, apresentando alternativas. Hábitos destes, têm os jornalistas que tratam o social de forma meramente casuística e sem noção do todo, nem dos contextos. Mesmo que seja alguém das suas relações familiares, há-que separar o pessoal do profissional, não se devendo rogar o direito de recorrer à publicitação do caso num espaço como estes. Sinceramente Sónia, não estava à espera e espero que os leigos que leiam isto não fiquem a pensar que os assistentes sociais hospitalares são uma cambada de incompetentes.
RG e... Duarte, dou-lhe toda a razão. Tento sempre fazer esse exercício, no entanto... os casos também têm a capacidade de demonstrar algo: positivo ou negativo.
Por vezes avançamos mais a reflectir sobre 1 caso do que sobre 1000. Claro que não é este o caso paradigmático... nem é este o que fará mudar algo...
Fiquei desapontada e resolvi partilhar a situação (na visão da senhora que anda desorientada).
Bem sei as dificuldades que enfrentamos, particularmente neste tipo de situações, mas não podemos esquecer as dificuldades do "outro lado". Há que ter uma visão de "vai-e-vem" para uma melhor compreensão da situação.
Duarte, leia bem o que escrevi: estou habituada a outro tipo de procedimentos que revelem uma maior competência e empenho. É esta a impressão a generalizar. Aliás, cada vez mais. No entanto, tenho por experiência própria que 1 só atitude ou o comportamento de 1 só pessoa conseguem manchar toda uma equipa.
Depois, chateia-me ouvir tanto falar de trabalho em rede e este ficar com tantos buracos.
RG
já agora, tens a documentação relativa ao rácio? Tenho outra proporção, provavelmente desactualizada...
caras(os) colegas, acredito que estes espaços existem para reflectirmos nas situações que ocorrem na realidade e que muitas vezes nao são incluidas nem mencionadas em estudos cientificos de grande porte. Acredito também que desenvolver e defender a profissão passa também por lhe reconhecer as limitações, nomeadamente aquelas que lhe são impostas por instituições burocráticas tal como é um hospital.
Por isso concordo com a discussão deste caso, pois embora nao conheça os seus contornos acredito que nos levou pelo menos à reflexão...
Termino referindo que apontar constrangimentos não significa apontar incompetencias, mas sim subir o patamar zero para alteração de comportamentos
Raquel, o que diz vem reforçar a minha intenção de reflexão.
Nem é uma situação grave, já que não coloca em causa nenhum direito e não levará a injustiça...
A situação acabará por ser apoiaada, estou em crer, ainda que considere que a situação poderia ter sido parcialmente evitada. Haverá sempre espartilhos na intervenção social. Não poderemos é deixar-nos derrotar por tais espartilhos. os espartilhos alargam-se com esforço.
Deixem-me confessar uma outra coisa... para que percebam melhor este meu desejo de que tudo corresse pelo melhor, com poucas falhas a apontar.
As pessoas que me conhecem e que sabem qual a minha profissão e responsabilidades na profissão (entenda-se como formadora de futuros assistentes sociais) vêm frequentemente expôr-me situações, apontando-me o dedo: "os assistentes sociais isto e aquilo".
É provável que também vos aconteça. Eu desmonto com maior clarividência ou maior esforço (quando me sinto mais distante dos comportamentos percebidos).
Tenho dias em que estou mais zangada com a profissão. Ontem foi um deles. Mas que raio... não será melhor agir de outra forma, explicando às pessoas porque não podem ser atendidas, por exemplo?
Como disse antes, nada de grave!
Ainda assim, lá terei em de fazer esforços explicativos suplementares entre a minha rede pessoal para promover uma melhor imagem dos assistentes sociais. É que este tipo de notícias mais negativas corre e tende a que olhem para mim como aquela que tem uma profissão "assim e assado".
E já não basta dizer que há boas e más práticas! Estamos todos talhados a valorizar a negatividade.
Ontem foi asim, hoje não sei!
Ah, Duarte, isso de ser quase sempre sobre situações em hospitais têm a ver com deformação profissional, como é óbvio! É uma das minhas áreas de interesse, daí estar mais atenta (em todos os sentidos).
OK Sónia, mas há uma coisa que eu não percebo. Por que razão só se aponta o dedo aos assistentes sociais? Por que é que se generaliza sempre em relação a nós, mas quando surgem casos, por exemplo, de negligência médica, ataca-se o médico x ou y mas salvaguarda-se sempre a classe no geral? E quem diz em relação aos médicos, diz em relação a tantas outras profissões. Por isso, se não formos nós a ter esse cuidado, não serão os outros, ou seja, a opinião pública e os media. Já reparou que nunca nos dão a oportunidade de explicar os assuntos na comunicação social, mas ao mesmo tempo somos visados sempre que algo corre mal? Mas quando é para debater, para reflectir e explicar, surgem sempre outros actores. A última vez que vi isso acontecer foi há poucos dias atrás, quando saiu uma reportagem na tv sobre um suposto mau acompanhamento a um toxicodependente que após receber uma pensão de invalidez com retroactivos queixava-se de ter sofrido uma recaída por se ter deparado com tanto dinheiro de uma vez só. Realmente durante a reportagem ainda apareceu uma assistente social dum hospital (que não me recordo qual), tentando desmontar a situação (por exemplo, as pensões de invalidez não contemplam qualquer processo de acompanhamento técnico e possuem um enquadramento jurídico próprio), mas no debate a seguir, para além de terem desviado o assunto para o RSI (e a pessoa em causa não usfruía de RSI), estava uma educadora social, quando a nível do RSI o grupo maioritário e com mais experiência são os assistentes sociais (embora a senhora até nem tenha falado mal). E isto está sempre a acontecer. Debatem-se situações sociais, problemáticas, medidas, políticas em que somos dos principais intervenientes, mas nunca contemplam um assistente social nos mesmos. Confesso que é algo que me revolta.
Relativamente ao primeiro assunto, acho que acontece um pouco com todas as profissões, nós é que estamos mais atentos à nossa. E como diz o ditado "quem não se sente...".
Foi esse o caso. Estou farta que me venham apontar o dedo porque aconteceu isto e aquilo e "os AS" blá blá blá...
Relativamente à outra questão que coloca, partilho inteiramente dessa preocupação e até revolta. Há certamente uma representação social de que somos da prática e não servimos para falar sobre os assuntos... isto para falar mal e depressa! Daí... a necessidae de mudança.
O que mais me chateia é que, quando aparecemos na TV frequentemente nos apresentamos como o(a) director(a) técnico da instituição x ou y, ou como o técnico da x ou y... ou seja, através do cargo e não da identidade profissional. Isso é que não percebo!
Ainda assim há um tempo passou uma reportagem sobre o analfabetismo nos adultos e a colega era identificada como assistente social. Fiquei contente.
Sobre este caso apraz-me dizer o seguinte: as análises globais são interessantes e devem ser tomadas em consideração. No entanto, a análise de casos práticos também deve ser tomada em consideração e, como em todas as profissões, também no serviço social há bons e maus profissionais (não quer dizer que o presente o seja), devendo os mesmos ser denunciados. Devendo ser acrescentado que é aí que o código deontológico deve entrar em funcionamento – tanto para defesa dos profissionais como dos utentes. No caso concreto, não percebo (i) como os condicionalismos do serviço deixaram de justificar o não atendimento quando o «sobrinho» intercedeu, (ii) como esses condicionalismos podem justificar uma não articulação adequada com outros serviços.
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