29.8.08

uma visão sistémica para o roubo violento

Numa perspectiva sistémica, diria que as novas formas que o crime por roubo assumem actualmente são uma mutação originada por uma acoplagem de sistemas.
Mudou muita coisa em Portugal na forma como o cidadão se protege. Os carros têm sistemas de protecção e de abertura cada vez mais complexos; as casas e lojas têm sistemas de alarme e portas com cada vez maior complexidade, etc... Se há mudanças no sistema de protecção, há necessariamente mudanças nos sistemas que tentam quebrar essa protecção. Sempre houve roubos de carros, casas, lojas,... mas, normalmente estes eram levados a cabo na ausência de pessoas. Ora, as dificuldades colocadas ao assaltante potenciaram que houvesse maior facilidade quando os sistemas de protecção estão diminuídos, ou seja, quando a pessoa conduz o automóvel ou o estaciona, quando a pessoa está em casa e desliga o alarme, quando a loja tem as suas portas abertas, etc...
Para além das condições sociais que potenciam a opção pela alternativa do crime, temos de colocar a questão também ao nível da (des)confiança que os cidadãos manifestam entre si. Se eu quero viver numa sociedade onde o crime violento deixe de fazer sentido, há que repensar a direcção e os valores sociais e não agir em escalada simétrica, que passa por nos armarmos todos, tal como verificamos noutros países. Nesta "guerra" uns armam-se usando o pretexto de agirem contra os outros, outros armam-se com o pretexto de se protegerem... Mas, se algo correr mal, ambos agirão da mesma forma. É esta a sociedade que queremos?

4 comentários:

Duarte disse...

Artigo bem elaborado. Na generalidade, concordo com o seu raciocínio. De facto, uma vez mais existe alguma preversidade no modus operandi das autoridades/estado na luta contra o crime. A lógica continua a ser a do belicismo, modelo já experimentado por outros países, mas sempre com maus resultados. Estamos a copiar esses modelos já saturados (veja-se o caso dos EUA, Brazil e América Latina em geral, Espanha, Alemanha, etc.). Embora seja necessário a dotação de melhores meios para as autoridades, bem como, de uma legislação mais eficaz, é preciso, também, actuar noutra frente: as condições sociais. É que a equação é relativamente simples de compreender: quanto menos investimento houver nesta frente, maior instabilidade social existe, logo, tendência para um aumento gradual da criminalidade. Mas atenção que quando falo de investimento, não estou necessariamente a falar de dinheiro, mas sim de modelos de actuação. Por exemplo, repensar a política de realojamento em termos de bairros sociais, evitando a guetização. Reajustar a política de imigração. Atender mais à dimensão social e da educação (as escolas continuam a ter de fazer frente a fenómenos de problemática social praticamente sozinhas e os docentes não têm nem tempo, nem formação adequada). E porque não, atender à dimensão ecológica da sociedade, por exemplo, a forma como estamos a construir as nossas cidades. Enfim, não chega armar as polícias, nem enrijecer a lei. Isso é já levado ao expoente máximo em países como EUA, em que a pena de morte não é solução para nada, nunca tendo feito diminuir a criminalidade. Até porque violência gera violência.

joaquim paulo silva disse...

Concordo com as reflexões, ambas, e acrescento que devemos acoplar aqui o sistema global, que o crime organizado têm também aproveitado para estabelecer novos modus operandi e que Portugal por força de Shengen como é evidente não ia escapar.
Os liberais costumam afirmar que o preço por termos liberdade é este, o crime, e portanto nesta perspectiva as questões sociais não importam há-que reforçar o policiamento, pondo em causa essa liberdade, como observamos no Ocidente!
Eu diria que a Liberdade não tem preço, mas o Mercado Selvagem Predatório sim, e este é o preço...

Unknown disse...

Minha cara amiga, os argumentos apresentados para justificar a escalada de um determinado tipo de criminalidade, onde o recurso à violência é cada vez mais evidente, embora me pareçam pertinentes não deixam, no entanto e na minha modesta opinião, de ser limitados. De facto, o mais preocupante, é assumir que o sistema (em todas as perspectivas) que sustém a autoridade formal e moral do estado de direito democrático se encontra num momento de crise. Esta situação requer de todos os cidadãos, que se preocupam com a democracia, uma maior atenção e uma maior capacidade de intervenção.

S Guadalupe disse...

Claro Paulo, o exercício apenas se restringia ao formato do crime e não aos outros factores a ele associados (de enorme relevo)... para além de que exclui o crime organizado...
Mas faz-me sentido tentar pensar ao contrário numa fase em que só se fala de armamento e policiamento, etc...