25.3.08

O idoso e o cuidador: tratos e maus-tratos

Sabemos que os cuidadores primários dos idosos dependentes sofrem uma enorme sobrecarca e lidam com sentimentos ambivalentes difíceis de gerir. Há riscos nesta a e noutras situações. É necessário saber nutrir esta relação com pausas merecidas (momentos de respiro como dizem os nossos vizinhos espanhóis) e alguma supervisão. É necessário que as redes secundárias se permitam constituir como a rede que suporta a rede para que esta não se estilhace e se coloque em perigo a qualidade de vida de quem (supostamente) cuida, quer cuidar e é cuidado.
Relatório do Eurobarómetro
«Portugueses desconfiam dos cuidados prestados a idosos - As pessoas idosas dependentes de cuidados estão também muito dependentes dos seus familiares, segundo expressaram os portugueses inquiridos pelo Eurobarómetro especial sobre a situação da terceira idade entre os 27 países da União. Mas a opinião nacional destaca-se sobretudo por uma preocupação 69% das pessoas consideram que os mais velhos estão a tornar-se vítimas de maus-tratos por parte de quem deles cuida, sejam familiares ou profissionais. Mais preocupados, só os gregos. Esta é uma das questões em que a realidade social e de assistência dos países pode ter muita influência, sugere a interpretação dos dados feita pelo Eurobarómetro. O receio de maus-tratos desce abissalmente em países como a Suécia e a Dinamarca, onde, por outro lado, são mais elevadas as taxas de cuidados prestados fora do seio da família, por instituições e profissionais. Ainda assim, há em 55% dos europeus o receio de maus-tratos a idosos e em 47% a convicção de que os maus-tratos existem mesmo. E cerca de um quarto considera que a violência é exercida pelos filhos dos idosos. Sobre os lares, os portugueses mantêm-se quase a par da Grécia quanto à desconfiança e no top europeu os cuidados aí prestados têm um padrão que deixa a desejar, dizem. Os cuidados caseiros, por profissionais, também só merecem 29% de concordância no inquérito, mas isso quanto ao custo acessível. Bem longe situam-se a Bélgica, Suécia e Dinamarca, com cerca de 60%. Metade dos portugueses admite que se tornará um dia dependente. E também metade, ao ficar dependente por velhice, gostaria de permanecer na sua própria casa e ser cuidado por um familiar próximo, preferência ligeiramente superior à manifestada pela média dos europeus. Mas Portugal tem das populações com mais dúvidas sobre se receberá cuidados adequados. O nosso país mostra, junto à Roménia, a taxa mais baixa na prestação de cuidados prolongados a familiares no decorrer dos últimos dez anos. Apenas 29% dos cidadãos nacionais o fizeram, diz o Eurobarómetro ontem divulgado.» Fonte: Jornal de Notícias Data: 18/03/2008

2 comentários:

Anónimo disse...

Lido com esta problemática todos os dias. Sem me querer alongar em explicações teóricas, há muito que efectuei o diagnóstico da situação. As soluções passam por: investir no apoio domiciliário na vertente das AVD's. O apoio domiciliário que temos por parte da generalidade das instituições é insuficiente, quer em termos quantitativos (poucas vagas para o número crescente de solicitações, resultante da longevidade dos idosos), mas também em termos qualitativos (apoio domiciliário que se limita a algumas necessidades básicas, passando poucos minutos em casa do idoso, não sendo possível um acompanhamento mais próximo e que abarque mais aspectos da vida do idoso e do seu cuidador); constituição de mais equipas multidisciplinares de cuidados continuados; mais apoios financeiros específicos à problemática (o complemento por dependência não chega). Admito ainda mais.

Por outro lado, assiste-se à continuidade do paradigma da institucionalização. Investe-se mais em lares do que em equipas de apoio domiciliário. A institucionalização surge como a resposta ideal e a única face à escassez de recursos que permitam a uma família cuidar do seu idoso em casa com qualidade.

O projecto da RNCCI possui alguns aspectos interessantes. Permitiu um aumento da resposta na área da saúde, com novas unidades, mais equipas domiciliárias nos centros de saúde, mais recursos em termos logísticos e humanos. Mas na minha opinião, esta rede deveria também abarcar o outro tipo de apoio domiciliário, até porque actualmente verificamos que esta resposta não está a acompanhar o investimento entretanto feito na saúde. E repare-se que a RNCCI tem a designação de "saúde e apoio social".

Em suma, ter um familiar dependente em casa é muitas vezes uma tarefa hercúlea. E aqui nós técnicos (não só os assistentes sociais) temos de ter cuidado com aquilo que exigimos às famílias e cuidadores. É fácil dizermos à boca que cheia que estes se desresponsabilizam cada vez mais. Existem casos em que sim, existem casos de negligência e maus-tratos, mas estou convencido de que se trata de uma minoria. Mas muitas vezes é fácil desculparmo-nos com esta generalização para não admitirmos as limitações da nossa intervenção condicionada pela escassez de respostas. O que é certo é que a sobrecarga do cuidador é um problema cada vez mais premente e que tem causas perfeitamente identificáveis. Há-que atacá-las.

S Guadalupe disse...

Concordo inteiramente e também penso que é uma pequena minoria, aumentada se considerarmos outro tipo de situações como negligência... apesar de efectivamente e no quotidiano não o serem. Se um cuidador de um bebé sair para ir às compras e deixar o bebé em casa pode ser tido por negligência, já não tenho a certeza se pode ser aplicável a um idoso, pois nem nos internamentos têm vigilância permanente. Depois há muitas questões culturais que decerto não foram controladas no estudo, inerentes à noção de maus-tratos.