13.10.09

A Cultura de Projecto: Contributo para o início de um debate (por Helena Neves Almeida)

«O interesse pelo desenvolvimento de acções e de condutas orientadas por finalidades, expressão da procura de sentido de forma antecipada da actividade humana e institucional, constitui hoje uma referência para todos os que intervêm no domínio social. Neste contexto, o projecto constitui uma unidade analítica e operativa central, uma espécie de magia verbal que abraça, como refere Jean-Pierre Boutinet, na obra Antroplogia do Projecto, “num mesmo movimento, as condutas identitárias, as condutas criativas e inovadoras, as condutas preocupadas em dizer-se significantes, as condutas aptas a reconhecerem-se como autónomas” (1990:7). É uma moda, e nela convivem derivações patológicas das condutas de idealização tomadas em termos individuais e locais, adaptáveis às circunstâncias e cerzimentos operacionalizados pelos diversos actores envolvidos. Com reflexos no domínio público e privado, a ideia de projecto integra o quotidiano das pessoas, em espaços e momentos de interacção interpessoal e profissional, é uma referência transversal. Entre amigos, quando alguém anuncia a maternidade ou paternidade, ou até o casamento, surgem com frequência expressões como: “foi planeada?”, “fazia parte do vosso projecto de vida?”, chegando a ideia de planeamento a conquistar e integrar, por antecipação do momento da acção, domínios tão dispares como actividades de lazer “vou planear as minhas férias” ou actividades profissionais, “vou submeter um projecto para financiamento”, “apresente-me um projecto”.
A cultura de projecto que caracteriza a sociedade pós-industrial, alicerça-se na necessidade de afirmar e legitimar as próprias iniciativas, e espelha uma obstinação projectiva, sobretudo em actividades que têm como público-alvo populações socialmente vulneráveis. Hoje é impensável desenvolver uma actividade profissional, a nível individual ou colectiva, em contexto institucional ou comunitário, sem que os actores se confrontem com as exigências de planear antes de agir, configurando o carácter intencional da acção. Tal facto conduz a uma proliferação de projectos a que se associa sempre a ideia de eficiência, mas nem sempre a de eficácia das acções, ligada a padrões de pragmatismo e de legitimação de iniciativas e de procedimentos. Este esforço traduz-se certamente num permanente desafio à criatividade e implica uma pesquisa obrigatória de sentido, mas frequentemente se confronta com a inoperância por inadequação da acção à mutabilidade e dinâmica da conduta humana e das organizações, e com o argumento de que o aproveitamento de oportunidades nem sempre é compatível com a ideia de antecipação da acção. Deste modo, um pressuposto básico de procura de sentido para as acções desenvolvidas a curto, médio ou longo prazo, quando orientado no quotidiano profissional para a obsessão do planear para agir, pode agregar um conjunto de orientações que, em vez de se integrarem numa lógica e estratégia de desenvolvimento e de mudança (individual e social) e regularem de forma sensível e adaptativa a acção ao meio e aos sujeitos, introduzem factores de perturbação e de controle social que adulteram o princípio da criação e da emancipação. Não faz sentido!»
Coimbra, 12 de Outubro de 2009
Helena Neves Almeida
Nota: agradeço o contributo e a confiança da Professora Doutora Helena Neves Almeida no Insistente Social.

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