3.2.11

voz ao leitor do Insistente Social

Recebi um e-mail com uma reflexão de Vera Belchior sobre o artigo de opinião de Manuel Serrão publicado no Jornal de Notícias (2 de Fevereiro de 2011) intitulado "Rendimento Mínimo é para quem Trabalha". E porque considero que esta medida de política social se tem tornado num verdadeiro bode expiatório, reproduzo integralmente o comentário-resposta da colega Vera Belchior, deixando-o para vossa reflexão, a quem agradeço a confiança para me ceder a publicação da sua reflexão. Bem-haja.

«Sou uma mera Assistente Social, com alguns anos de serviço e acima de tudo com alguns anos trabalho no terreno e de conhecimento das dificuldades que se vão vivendo pelo país fora.
Ao ler o artigo de opinião acima mencionado, não deixei de me sentir revoltada e indignada, por vários motivos. Primeiro, porque não sei que conhecimento tem o Sr. Manuel Serrão sobre a área social, sobre a realidade do nosso país, sobre as dificuldades que as pessoas sentem no seu dia-a-dia e, acima de tudo, sobre a medida de Rendimento Social de Inserção, para poder dar uma opinião num Jornal informativo sobre um assunto como este. Acima de tudo, indignada porque o fez sem a menor seriedade, num jornal/meio de comunicação que considero credível.
Caso o Sr. não saiba, vou então dar-lhe algumas dicas sobre a medida, para que possa reflectir sobre as palavras que escreveu no artigo. E há que distinguir entre uma mera conversa de café, em que estamos entre amigos, e podemos expressar as nossas ideias e um artigo de opinião, que é lido por milhares de pessoas e pode condicionar a opinião social.
Ao contrário do que o Sr. Manuel Serrão diz, o Rendimento Mínimo não é para quem não trabalha, pois há muitas pessoas integradas na medida e que exercem a sua actividade profissional. No entanto, como os salários são tão baixos, têm que ser apoiados adicionalmente para conseguir viver com alguma dignidade. Também ao contrário do que é dito no artigo, desde sempre, quem recebe este apoio social, é obrigado a aceitar emprego, caso contrário o apoio é-lhe cessado. Não foi uma alteração recente, pois já existia esta cláusula. Desconheço, de todo, que pessoas falecidas se encontrem abrangidas por esta medida. E não acredito que o autor do artigo tenha conhecimento de causa, ou seja, que conheça pessoas integradas nesta medida e que se encontrem a beneficiar de algum tipo de apoio por um familiar já falecido.
Realmente, trabalho vai havendo pelo país fora, como defende o Sr. Manuel Serrão, mas é preciso ver que tipo de trabalho é e que condições apresenta. Cada vez há menos protecção para os trabalhadores e as condições de trabalho se assemelham crescentemente a condições de “escravatura”, sem regalias ou direitos sociais, e com a incerteza de um salário ao fim do mês.
Claro que, para o cidadão comum, é normal sentir algum tipo de incompreensão sobre esta medida, tão polémica, pois associam à “boa vida”, à mentira, a que as pessoas vivem “umas às custas do trabalho das outras”. No entanto, num Estado que se diz Social (mas que de social tem cada vez menos), existe o princípio da redistribuição, que garante a protecção social àqueles que, por algum motivo, não possam ver as suas necessidades básicas satisfeitas. E estamos mesmo a falar de necessidades mínimas, porque o valor de Rendimento Social de Inserção, para o primeiro titular (nos restantes é ainda um valor inferior) é de 189.52€. Se é com este valor que se pode “sustentar o vício do ócio de quem aceita até viver com pouco” (citado do artigo), realmente os portugueses conseguem viver e divertir-se com bem pouco!
Choca-me a brandura como se escrevem e acima de tudo defendem estas convicções e se tenta incutir nos outros as mesmas ideias. Para os técnicos e para a população abrangida pela medida, é acima de tudo revoltante, e, desculpem que o diga, este artigo é, acima de tudo, indigno de ser lido. Em vez de nos compararmos aos países desenvolvidos, com boas condições de trabalho, com excelente regalias sociais, apoios sociais, continuamos a congratularmos e a achar que “foi uma das grandes e boas notícias dos últimos tempos” (citado do artigo) haver cortes em medidas que apoiam aqueles que pouco ou nada têm e num país onde o salário mínimo é de 485€. Para uma pessoa tão viajada e com tanto conhecimento dos modelos mundiais e europeus, penso que o Sr. Manuel Serrão deveria adoptar os modelos positivos e que possam trazer emprego (e não só trabalho) e desenvolvimento para o nosso país. É que não é de certeza com o valor que se recebe de Rendimento Social de Inserção que se fazem viagens, inclusive, à Colômbia….
Ficam estas dicas, também elas de uma simples cidadã portuguesa, para alguma reflexão e para que haja um pouco mais de seriedade e de critério na publicação dos artigos de opinião. Como o próprio nome indica, são de opinião e servem para as pessoas dizerem o que pensam. No entanto, se são publicadas num jornal com cariz informativo, servem também para formar outras opiniões, e nós precisamos é de um país bem formado e informado e não de meras ideias soltas e sem fundamento.»

6 comentários:

Duarte disse...

Mas eu pergunto: que pedagogia têm feito as organizações que representam o Serviço Social em Portugal? Que contactos têm havido com os media de modo a informá-los e para que estes possam servir de veículos destes esclarecimentos? Por que não há lobby informativo por parte dessas organizações? Não podemos esperar que os media se lembrem de nós, se não os habituarmos primeiro a terem nos assistentes sociais uma referência a ter em conta na auscultação sobre as temáticas sociais, desde as problemáticas em si e sua conceptualização e explicação, até às políticas existentes e que vão sendo construídas, até a propostas concretas. Outros estão a tomar essa dianteira e não se compreende como nos mantemos impávidos e serenos. Os contributos individuais são bem-vindos, como é o caso, mas não chegam. Já agora, nem sei se aquando do último congresso de Serviço Social houve contactos com os media, se foi suficientemente publicitado, pois não houve qualquer eco nos media, o que é sintomático.

José Pedro Dias disse...

Olá. Sou licenciado em Sociologia e este é só um dos problemas que mais discuti nas aulas e no mestrado que frequento. E fico contente ao ver esta resposta ao Dr. Manuel Serrão, tenho pena que ela não chegue a mais umas centenas de Manuéis Serrões que existem neste país! Concordo com o Duarte... é necessário dar a conhecer, aos meios de comunicação social, estas ideias, para que a massa cinzenta dos portugueses não fique só pintada da mesma cor, em que são os pobre os culpados de toda esta "crise"... Porque são sempre os pobres (e ao mesmo tempo, trabalhadores) os culpados destes problemas (segundo esses Manuéis Serrões).

Unknown disse...

concordo plenamente com a colega que escreveu o comentário... é fácil falar quando não se passa dificuldades, quando não se conhece a verdadeira realidade do pais e de cada individuo e/ou família... quem os ouve a falar no rendimento social de inserção pensa q recebem fortunas enfim e que nao tem de cumprir acordos, e que sem a inscrição em emprego nao há rendimento social de inserção (medida obrigatória)... cada vez com mais pobreza, principalmente a "envergonhada" e ainda aparecem estes fulanos falar de assunto/temas que nao dominam... é triste ver a pobreza intectual do nosso pais. tantos drs, tantos intelectuais com quanto que se lhe digam... é triste, mas continuam a ser as pessoas "in" do nosso pais, muitos disparates mais se esperam publicados...

Duarte disse...

Existe um radicalismo em torno do RSI que só é compreensível à luz dos ataques fundamentalistas e preconceituosos como o de Manuel Serrão. O que se deveria perguntar era se nada na esfera do Estado é perfeito, se o IRS esconde as maiores fraudes, se a economia paralela serve para lesar o estado em milhões, se a justiça está cheia de lacunas, se o sistema de saúde também - e não vejo a actividade dos médicos ser posta em causa devido a situações de erro, negligencia e até corrupção, pois há sempre a salvaguarda de não se poder generalizar - por que raio haveria o RSI de funcionar na perfeição? Porque é que só o RSI e outras medidas de política social são mencionadas quando tudo o resto também falha? É por haver baixas médicas fraudulentas que todas as baixas são fraudulentas? Porquê este radicalismo em torno do RSI? Isto só demonstra a contaminação da opinião pública a que chegámos. Termino dizendo que o RSI e outras medidas de política social e a actividade dos Assistentes Sociais são hoje em dia um autêntico saco de pancada, não havendo ninguém que os proteja, pelo menos vindo a público colocar os pontos nos i.

JC disse...

CONCORDO, ESTA RESPOSTA DEVERIA DE CHEGAR A COMUNICAÇÃO SOCIAL OU PELO MENOS A ESTE SENHOR, POIS PARA QUEM PRODUZ ARTIGOS DE OPINIÃO ESTÁ MUITO MAL INFORMADO.

S Guadalupe disse...

Reproduzo: Esclareço que a posição anteriormente não reflecte a opinião da identidade apresentada mas sim a da minha pessoa José Carlos Veríssimo, este erro deve-se ao facto de ter feito login por erro com uma conta que também administro.